quarta-feira, 23 de agosto de 2017

O Amor – por Adélia Prado

“A experiência amorosa exige sacrifício. Não se ama para ser  recompensado. O amor é sua própria recompensa. Não resisto em citar Drummond falando da poesia coisa parecida: “Poesia, o perfume que exalas é tua justificação”. Não há amor fácil, mas todo amor é maravilha, saúde, “remédio contra a loucura”, coisa que Guimarães Rosa ensinou. É a experiência humana mais exigente. Não é contrato, troca de favores, investimento, é entrega  e compromisso.. Do “sacrifício” de amar nasce a mais perfeita alegria. Ninguém faz cara feia quando se sacrifica por amor. Não se trata de anulação, subserviência de quem ama, trata-se da morte do ego, tarefa a ser feita até o último suspiro.”
(Depoimento dado a Revista Lola Magazine – Outubro/10)
(Da peça “Não sobre o Amor”, direção Felipe Hirsch)

Morrerei mil vezes...





Morrerei mil vezes antes da morte final
Sempre pelo mesmo motivo.
E bastará um sinal para que a vida retorne.
Andarei nas brumas,
dormirei nas trevas;
percorrerei caminhos estranhos;
À procura da sua presença...
Mas não saberei de você...
E essa é a maior tortura.

Mergulharei  na cegueira de não poder acompanhar a sua silhueta como guia...
E terei fragmentos de ecos de conversas que me chegarão pelo vento...
E ouvirei ruídos difusos e confusos que me entrarão pelo pensamento...
E viverei outras tantas vidas em busca dos mesmos encontros.
Abrirei veredas nos caminhos ausentes...
E saberei obedecer aos sinais.
E respeitarei docilmente aos comandos.
Mesmo sem querer.

Não, eu não escolhi. Não eu não tenho escolha.
E cada movimento é um sobressalto.
Não posso fazer nada, além de sentir...
Não posso fazer nada, além de pensar...
Não posso fazer nada, além de esperar.
E não há nada que possa mudar.

Existe uma centelha que transcende o corpo e nos move.
E existe nela uma vontade própria que nos impulsiona.
Está além do pensamento.
Está além da razão...
E é tão independente que não se pode aprisionar...
E, incautos que somos, mergulhamos nela e com ela sem sobreaviso.
Ou somos mergulhados...
Enredamo-nos de tal forma que não há possibilidades.
Morrerei mil vezes e não a dominarei...
Morrerei mil vezes sob seu jugo absoluto.
Sem lutar...
Sem me debater...
Porque ela é muito maior.
Eu me curvo.
 (22/08/2017)