sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Tenho saudades de mim




Tenho saudades de mim,
nas constantes travessias.
Às vezes brigo comigo para me aquietar.
Penso em retornos,  desisto.
Se bem que sou labirinto.
Então navegar em círculos não seria assim estranho.
Só que sigo em espirais...
Porque o caminho não volta.
Não há como retornar a passados preciosos.
Disso eu tenho pena...
Por isso sinto saudades.
Mas a mão é só de ida,
Prefiro não tentar curvas...
Os caminhos proibidos também não me amedrontam.
Quero deixar bem claro!
As perdas é que me apavoram.
Mas eu sei, inevitáveis.
E me empurro para frente.
E sempre sinto saudades.
Daquela que pude ser,
Daquilo que pude ter,
Dos momentos que vivi.
Mas a vida faz sua parte
No constante movimento
de chegadas e partidas.



Vera Lúcia (22/11/2017)

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Pertences para uma vida... ou mais...


Ciúmes?
Eu tenho aos montes!
De tudo que me pertence.
Ou de que eu penso ser dona.
E nem precisa ser meu.
Basta que eu queira a posse.
Mas posso me controlar...
Porque prezo a liberdade
E abomino as correntes.

Assim como não me prendo,
Não posso prender alguém;
Se fica é porque é bom,
Se vai, como segurar?
Perde a graça e a plenitude.
Com metades eu não vivo.

Gosto de tudo que é bom.
Quem não gosta? Desconheço!
Faço coisas sem gostar,
Se é preciso ou necessário.
Mas não faço sem querer.
Se resolvo é porque quero.

Amor?
Entrego de graça!
Não precisa nem pedir...
Basta que eu aprecie...
E o julgamento é arbitrário,
Senão não teria graça!

Mas o ódio eu desconheço!
Por que odiar alguém?
Se o sentimento ruim volta sempre às origens?
Se odeio eu me condeno ao inferno particular!
De inferno, nem o público,
Que às vezes “tem que” aguentar.

Saudades...
pra todo lado,
Do que foi e do que virá!
Daquilo que a gente fez,
Do que queria fazer,
Daquilo apenas pensado,
De tudo que foi vivido...
Daquilo que foi sonhado.
Mas não do que não foi feito,
O melhor é arriscar!

Tristezas, poucas...
Algumas infindas...
Como aquelas em que se perde
Quem povoa a nossa alma.
Como mãe, pai, os amores
que a vida nos proporciona,
mas um dia assim, do nada,
nos recolhe sem preparo!

E fé?
Ah, eu tenho em tudo!
Na vida, na humanidade,
Na prevalência do bem,
Nas verdades escondidas
na inocência da criança.
E até nas tempestades,
que, em última análise,
servem para aprimorar
nossa desumanidade.

O que não tenho é dinheiro.
Mas que importa?
Eu uso pouco.
Não gasto mais do que ganho.
E tenho o que preciso.
Além disso é “esbanjação”.
Como diria vovó.
Se for pra esbanjar amor,
Me chama que estou pronta.
Agora, pelo dinheiro,
Não vale a pena morrer.

Paixão?
Então me pergunta?
Paixão eu sou feita dela!
Se não fosse apaixonada.
Teria uma cara morna,
Um olhar baço, mortiço,
Um sorriso aprisionado,
Os dentes sempre escondidos,
Um discurso enviesado,
Uma falta de sucesso,
que até daria dó!
Vale a pena ser assim?
Se não for pra mergulhar,
Nem vale a pena ir ao rio.

Certeza?
Tenho nenhuma!
Tampouco sei de quem tenha!
Alguns se enganam e enganam
Vendendo verdades pétreas,
De foro tradicional,
De tradições milenares,
E de estatutos arcaicos,
Que ao primeiro embaraço,
Se desfazem como cinza.

Certo e errado?
Para muitos,
isso depende da hora.
Eu sei que certo é amar.
É ser “do bem” e fazer
o melhor a si e ao irmão.
Muitas vezes o que é certo
Se revela não ser justo,
Mas quando ferir alguém,
E não quisermos pra nós,
O certo é não fazer...
Mesmo pensando em justiça.


Julgar?
Ah, eu acho difícil.
Se nem dou conta de mim,
Como é que vou querer
Botar o outro “na linha”?
As questões eu avalio.
As pessoas eu aceito.
Se não podem conviver,
Eu as deixo ir em paz.
E prossigo a jornada.
Nos meus passos passarinhos.

Vera Lúcia

(12/11/2017)

O Lutador






Carlos Drummond de Andrade


Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça.
Insisto, solerte.
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
de rara humildade.
Guardarei sigilo
de nosso comércio.
Na voz, nenhum travo
de zanga ou desgosto.
Sem me ouvir deslizam,
perpassam levíssimas
e viram-me o rosto.
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não têm carne e sangue…
Entretanto, luto.
Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
Quisera possuir-te
neste descampado,
sem roteiro de unha
ou marca de dente
nessa pele clara.
Preferes o amor
de uma posse impura
e que venha o gozo
da maior tortura.
Luto corpo a corpo,
luto todo o tempo,
sem maior proveito
que o da caça ao vento.
Não encontro vestes,
não seguro formas,
é fluido inimigo
que me dobra os músculos
e ri-se das normas
da boa peleja.
Iludo-me às vezes,
pressinto que a entrega
se consumará.
Já vejo palavras
em coro submisso,
esta me ofertando
seu velho calor,
aquela sua glória
feita de mistério,
outra seu desdém,
outra seu ciúme,
e um sapiente amor
me ensina a fruir
de cada palavra
a essência captada,
o sutil queixume.
Mas ai! é o instante
de entreabrir os olhos:
entre beijo e boca,
tudo se evapora.

O ciclo do dia
ora se conclui
e o inútil duelo
jamais se resolve.
O teu rosto belo,
ó palavra, esplende
na curva da noite
que toda me envolve.
Tamanha paixão
e nenhum pecúlio.
Cerradas as portas,
a luta prossegue
nas ruas do sono.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Apaixonar-se...

Apaixonar-se

Nada se compara ao processo de apaixonar-se.
Não existe um sentimento que possa se contrapor à paixão no seu desenvolvimento. Talvez, mas talvez mesmo, as tempestades da natureza, a revolta dos elementos naturais, possam dar uma ideia do que é este sentimento.

Estar apaixonado/a é diferente. É uma causa já ganha. É a catarse. A sublimação. A aquietação dos sobressaltos. Mas apaixonar-se não.
Para se chegar ao estado de êxtase, é preciso passar pelas atribulações da ebulição. Aquele movimento de sinuosidade do sangue pulsando fortemente; aquela sensação de friagem gelada que acomete o estômago sem explicação; e o ciúme incontrolável que só quem se apaixona sabe sofrer, são os sintomas mais evidentes de que você está em estado de apaixonamento. E como isso é bom! É a vida pulsando no seu grau absoluto.

E o objeto de paixão torna-se o objetivo mais importante da sua vida. Pode ser uma coisa, uma ideia, um lugar, um projeto... mas é mais instigante quando é uma pessoa. Ao apaixonar-se por uma coisa, logo, logo o seu estágio se completa: assim que a consegue para si. Ao apaixonar-se por uma ideia, ela não lhe sai da cabeça até se concretizar. Ou você desistir dela quando achar que não compensa. As ideias mudam, transformam-se mas não se mexem. E podem revelar-se boas ou ruins. Alcançada a compreensão total da ideia, o estado de paixão passa a ser amor ou desprezo. E fim. Ao apaixonar-se por um lugar, você move céus e terras para chegar a ele. Seja esse lugar físico, geográfico, real ou imaginário; seja um lugar que você pensa ser seu de direito como um cargo, uma função, um posto. Alcançado, deixar de ser paixão, torna-se realização; seja um projeto que você queira conquistar para que se torne seu; como uma casa, o topo de uma montanha ainda não escalada, um ponto turístico ainda não visitado. Ao apaixonar-se por um projeto, você se doa, se dá, se esforça, se joga e o realiza. Quando realizado o projeto não é mais projeto, é trabalho executado e produto realizado. Satisfação, êxtase, catarse. Amor realizado. Mas não é mais paixão. Nem projeto. É resultado.

Você pode passar a vida sem se apaixonar. O mundo não vai se acabar por isso. Você pode viver uma vida morna, de ações prudentes e ideias pacíficas. Porque paixão não é paz. E pode ser uma pessoa de tranquilidade e sossego. Com uma vida boa. Com tudo sob controle. Mas você pode se apaixonar. A qualquer hora. Em qualquer tempo. E paixão não se escolhe nem se controla. E a única coisa que poderá fazer é viver cada etapa, gostando ou não. Não há prudência nem freio. Não há planejamento nem domínio da vontade. Há mergulho na escuridão.

Sabe aquelas histórias contadas pelos romances, pelo cinema, pela televisão? Você pensa que são apenas ficção, certo? Não é verdade! Tudo aquilo que foi/é descrito já foi sentido! Só falamos do que sabemos! Você pode não ter sentido, mas quando lê ou vê entende. Nem que seja para condenar... e, se condena, é porque ainda não sentiu e no fundo gostaria imensamente de entrar nesta espécie de transe, de torpor, que tira a razão e é o poder mais avassalador que o ser humano já descobriu na terra. Sabe as guerras, as tragédias, as glorificações e a elevação de um ser humano? Tudo movido por paixão. Por paixão César quase perdeu o reino por Cleópatra. E por paixão ela se matou... não sei se por César ou por Marco Antônio, mas por paixão. Sabe Napoleão Bonaparte? Só conquistou o mundo para depositá-lo aos pés de Josefinne; E Sansão? Por estar apaixonado, deixou que Dalila lhe tirasse a força cortando seus cabelos; e que a guerra de Tróia teve início por causa da paixão de Páris pela bela Helena, todo mundo sabe; e Maria Bonita que se embrenhou pelos sertões, enfrentou polícia e espinheiros, xique-xique e caatingas para ser parceira de Lampeão no amor, na guerra, na vida e na morte; e Romeu morreu por Julieta, e por paixão, Julieta por Romeu. Você acha mesmo que todas essas paixões são apenas narrativas de romances?

Por amor se fazem heroísmos, abnegações, renúncias e generosidades; por paixão se fazem loucuras. Por amor a brasa vai amainando até tornar-se cinza, chama adormecida e calor aconchegante; por paixão cinza vira brasa e se faz em chamas, labaredas, incêndios e vulcões. Amar é descobrir a cura do mundo, mas apaixonar-se é sentir o mundo revolto dentro de si e lançar-se no abismo sem pestanejar! Assim...

Vera Lúcia

10/10/2017

Ai, palavras!



Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai palavras,
sois o vento, ides no vento,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!
Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!
Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois audácia,
calúnia, fúria, derrota…
A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora…
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil como o vidro
e mais que o são poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam…


Cecília Meireles

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Tu eras também uma pequena folha...


Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: 
não soube que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

Pablo Neruda