Nos países comunistas, a inspecção e o controlo dos cidadãos são actividades sociais permanentes e essenciais. Um pintor, para ser autorizado a expor, um simples cidadão, para obter um visto para passar férias à beira-mar, um futebolista, para poder jogar na selecção nacional, têm primeiro que recolher os mais variados relatórios e certificados (da porteira, dos colegas, da polícia, da célula do partido, do comité da empresa), que depois são amontoados, sopesados, lidos e relidos por funcionários especialmente afeitos a essa tarefa. O que vem escrito nos atestados não tem absolutamente nada a ver com a competência de um cidadão para pintar ou jogar à bola ou com um estado de saúde que exija uma estada à beira-mar. Só contêm informações a respeito de uma coisa que é o chamado perfil político” do cidadão (aquilo que o cidadão diz, aquilo que pensa, a maneira como se comporta, se vai ou não às reuniões e aos desfiles do 1.o de Maio). Como tudo (vida quotidiana, empréstimos, férias) depende da forma como se é classificado, todos os cidadãos são obrigados (para poderem jogar na selecção nacional, expor os seus quadros ou passar férias à beira-mar) a comportar-se de maneira a serem bem classificados. (Milan Kundera - A insustentável leveza do ser - 1984, página 84)
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